segunda-feira, 29 de março de 2010


Estou sentada em mais uma paragem de autocarro com um bloco de notas sobre as pernas e uma caneta de cor ténue, que encontrei aqui perto envolvida na minha sombra. Não sei o que faço aqui sentada, nem para onde me querem levar. Deixaram-me o bilhete por entre estas loquazes folhas, às quais vou entregando o meu tempo e identidade, e fugiram cobardemente como a vida do seu destino. Sinto-me acorrentada ao passado, que passou a ocupar o meu presente e a vontade de lutar contra os dissabores é cada vez mais diminuta. Estou cada vez mais cansada de ouvir o mesmo timbre do vendaval que se assenta sobre o meu peito e de sentir as insanáveis feridas desabrochar de tantas emoções e memórias.
É estranho, desgastante e desmoralizador encontrar-me há quase sete anos a carregar um enorme ponto de interrogação que me preenche as costas. Por mais respostas que eu tenha tentado encontrar ao longo do meu caminho, mais dúvidas foram surgindo e o ponto de interrogação extende-se, cada vez mais, ao longo das minhas articulações. Sei que qualquer dia perco o fôlego e a força, perco a juventude e as cores. Perco tudo isso sem nunca ter sentido a necessidade de cair no teu colo de exaustão, por tudo o que em mim criaste. Provavelmente não reparas nos aparentes estragos que toda a tua ganância provocou, que todo o teu vício consumiu. A tua mente fictícia não te permite ver para lá da escuridão. Limitas-te a observar a imagem da questão e quando encontras alguma dificuldade encostas ao balcão e, de papo cheio de utopias, pedes uma imperial, pois o mundo é mais fácil de compreender visto de cima, quando subimos até mundo das aparências, ao luxo ilusório onde te banhas num adorável aroma nº5. Nunca tentaste atravessar o mundo em oitenta dias, nunca transcendeste o teu universo na procura de alguém melhor e maior. Não esperes que seja eu, com menos três décadas que tu, que te ensine a viver. Andei muitos anos a caminhar em círculos concêntricos sem nunca me teres dito a melhor maneira de o fazer. No entanto, aqui estou eu, embora meio zonza e atarantada, coberta com algumas mazelas e manchas de suor. Eu sobrevivi à tua maré de loucura, às tuas mãos caprichosas, aos teus ávidos vícios. Eu sobrevivi à tua colectânea de circunstâncias infames que me arruinou em sigilo absoluto. Agora peço-te que não me solicites socorro quando tu, mais do que ninguém, sabe que o medo é a maior protecção do Homem e o desespero o maior poço de ânimo e coragem. Encontra a tua voz e deixa-a ecoar nos teus ouvidos. Pega nas tuas virtudes, larga o teu orgulho e faz-te à vida.

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