quarta-feira, 14 de julho de 2010

Ainda há uns dias atrás, enquanto devorava as capas e até algumas sílabas dos pensamentos espalhados por vários autores ao longo da Fnac, senti um impulso forte que me obrigou a parar. Tal como aquelas ordens que o cérebro envia em correio azul, ao resto dos órgãos, que é impossível ter qualquer controlo sobre elas. Foi então que me encostei a uma das poucas paredes isente de livros, muitos deles esquecidos e decorados pelo tempo, outros radiantes e embalsamados a ar puro, fresco e novo. Cruzei as pernas, de modo ao meu corpo se tornar mais leve, e me permitir flutuar pelos corredores daquela colectânea de arte, de sabedoria, de paixão pelos nossos talentos. Apoiei a cabeça sobre a palma da minha mão, e deixei-a esmorecer - movimento típico de um mero observador. E, automaticamente, - sem ser necessário esperar que a minha intenção percorresse todos os neurónios até atingir o lóbulo ocular - os meus olhos dançavam à velocidade dos passos dos sujeitos, ao som dos ponteiros do relógio. Confesso que fiquei um pouco atordoada em apenas alguns segundos. É incrível a rapidez com que sobrevivemos.
Os incessantes gritos dos telemóveis implorando por atenção, enquanto as bocas esfomeadas se apressavam a comer as palavras. A ansiedade a passar as páginas dos livros, sem os deixar primeiro derreter na boca, sempre com a pressa de chegar à última página e descobrir-lhes a sua essência; pois os livros são para ser ingeridos ao pequeno-almoço, digeridos ao almoço e absorvidos ao jantar! Ou não serão os livros o nosso maior alimento. O olhar impaciente para o relógio e o bater do pé no chão, enquanto o empregado lá vai apressando as contas numa máquina registadora, movimentando-se à velocidade da luz, pois o cliente não pode esperar. Os sacos que balançavam e contrabalançavam nas mãos das pessoas, embatendo contra tudo e todos, sem sequer se dignarem a ver por onde andam. O resmungar pouco simpático de pessoas que discutiam com o seu próprio dispositivo móvel, por este aparentar reduzida velocidade ou já não se encontrar jovem e em topo de gama. As correrias daqueles que vão apanhar o metropolitano, o autocarro que lhes devolverá o corpo até casa, a reunião tão importante na carreira para a tão esperada promoção. O último minuto para comprar um presente para o aniversário que já se prolonga no tempo, as colecções de Inverno que desabrocham em pleno final de Verão ou as intermitentes buzinas em plena fila de trânsito. O caos está instalado.
Hoje em dia as pessoas tentam caminhar mais rápido que o próprio tempo, pregar-lhe rasteiras e fugir dele. A que velocidade andamos nós? Já não existe tempo para, quando chocamos com alguém, dizer simplesmente "Peço imensa desculpa... Como tem andado?". Não existe tempo para nos preocuparmos com o outro, para olharmos nos seus olhos, ouvir a sua história, marcar a diferença com um pequeno esforço. De momento, o tempo que temos disponível serve para olharmos para o nosso umbigo e para os arranha-céus, ambicionando um dia chegar ao topo e abraçar primeiro as cidades, depois os países, os continentes e oceanos, e se sobrar tempo, claro o planeta. Hoje em dia, quando dois humanos chocam continuam o seu caminho, muitas vezes sem olhar para trás, pois “não há tempo a perder”; outras vezes trocam olhares intimidadores como se fosse um crime duas pessoas encontrarem-se. Já não se vai ao jardim ler o jornal , pôr a conversa em dia e deitar pão aos pombos. Já não se acorda com o nascer do sol para ir trabalhar no campo e sentir o cheiro da terra a entranhar-se nos poros da pele. Já não se descansa o corpo contra o tronco de um sobreiro ou de uma oliveira, enquanto se discute a perfeição da Natureza e a corrupção do Homem. Já não se suspira de contentamento, ao observar duas inocentes crianças a brincar ao berlinde no recreio da escola. Já não se grita de felicidade no nosso planeta. A felicidade está nas coisas simples da vida, tal como observar o pôr-do-sol ao lado daqueles que mais amamos, ou mergulhar nas límpidas águas do oceano. A actual felicidade é algo ilusório, algo fictício que aparece com a mesma rapidez com que desaparece.
Sentimo-nos sós e cada vez mais abandonados, perdemos pequenos momentos que podem ditar todo o significado da vida. Esquecemo-nos dos aniversários das pessoas que nos são mais queridas, ou inventamos uma desculpa porque estamos cansados do dia, quando nos convidam para festejar e partilhar as suas alegrias. Desvalorizamos os momentos em família e colocamos as obrigações à frente das necessidades. De que temos nós medo? De não chegar a tempo de fazer o jantar? De chegar atrasados à escola ou ao emprego? De o tempo não chegar para tudo o que temos para fazer? A duração do tempo é a mesma hoje, como há mil anos atrás e mesmo assim, parece que o tempo não é suficientemente grande para nos encher a barriga. Ou a nossa fome já é tanta que nem com o abrandar do tempo conseguiriamos atingir a plena satisfação, de que o dever foi cumprido.

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