domingo, 11 de outubro de 2009


Três meses. Já passaram três meses desde que decidiu abandonar este mundo e partir rumo ao infinito. Penso que nunca tive a coragem de lhe dizer, concretamente, o quanto foi e continuará a ser importante na minha vida; o quanto me ensinou acerca dela. Cada vez que nos sentávamos na mesa do seu jardim, sentia-me como uma criança junto do seu avô, que lhe contava histórias acerca do livro que transportou debaixo do braço, desde o dia em que nasceu. Sentia-me junto de um avô que nunca tive a oportunidade de ter.
Quando o Sol se escondia no horizonte, o azul dos seus olhos brilhava intensamente, como gotas de água atravessadas por raios de luz. As cores do arco-íris que se formava na atmosfera acolhedora do seu olhar, abriam portas e eu entrava para além do seu corpo. Tinha um olhar tão profundo, tão sofrido. Bastava olhar nos seus olhos, para saber a vastidão que era preenchido por dentro. E tanta vez que o fiz. Tanta vez que me perdi no seu olhar à procura de respostas, de frases célebres, de lições de vida. Tanta vez que apoiei o meu queixo sobre a palma da minha mão, enquanto observava passo a passo as suas decisões, as suas expressões faciais, os seus gestos espontâneos.

Doze de Abril de dois mil e nove.
Após o vulgar almoço no "Lisboa", o seu restaurante favorito, seguiu-se a despedida. Estava na hora de voltar à minha nova casa, ao meu novo lar: «Já não me aguento até ao próximo Verão.», «Oh tio! Não diga uma coisa dessas.» ,«Digo digo, minha querida. Já não me vou aguentar durante muito mais tempo.». Enquanto as lágrimas percorriam o seu corpo, - por debaixo daquele casaco cinzento, daquele pull over beje bordado a riscas azuis no colarinho, por debaixo daquela camisa beje com quadrados azuis desalinhados, confusos, mas ordenados tal e qual como ele -, abraçou-me contra o seu peito. Consegui sentir o bombear de um coração, não sei se o meu, se o seu. O abraço prolongou-se durante mais horas, naqueles míseres segundos, que as habituais. Pensei no assunto durante toda a minha viagem de regresso. As dúvidas começaram a apoderar-se de mim tão rapidamente, como as árvores que passavam do lado direito da janela do carro. «Teria sido o último abraço?», interroguei-me centenas de vezes. Dois meses depois, obtive a resposta que nunca pensei vir a obter ao lembrar-me do seu olhar penetrante. Quem diria... quem diria que aquele segundo a mais, que preencheu o nosso abraço, teria sido a despedida de uma vida. A nossa última despedida. O seu último papel na minha vida.

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