domingo, 22 de novembro de 2009

Conforme ia escrevendo as pegadas do meu trajecto, os pés diminuiam, cada vez mais, o seu tamanho. As pernas começavam a t(r)emer pelo apoio que lhes faltava para manter o corpo hirto, ou pelo apoio que lhes fez falta quando o chão cedeu. Nada é mais doloroso, do que não ter chão para caminhar. Nada é mais angustiante do que perder o chão para andar, o chão para cair e levantar.
A porta abriu-se, sem sequer ter que tocar à campainha, e o tempo recuou seis anos. A mesa da sala estava repleta de doces e salgados, de todas as variedades possíveis e imaginárias, como há seis anos atrás. O sofá de pele preta continuava com o mesmo pó de há seis anos atrás. A poltrona, onde durante tantos anos a mãe de família se sentou a ouvir os pássaros a cantar, continuava inclinada, desproporcional ao rigor presente na sala. Os rostos... Apenas os rostos vestiam novas feições.
Outrora, aquela casa fora abrigo de muitos mundos, alimentara muitas bocas, fizera sorrir muitas outras. Hoje, apenas levou a conhecer os mundos, agora estranhos, distantes e comprometidos com o tempo.
As palavras ditas cruzavam-se ao centro da mesa, sem se tocarem, ecoando no vazio de que eu estava preenchida. Subitamente, as imagens reorganizavam-se no meu pensamento e, uma a uma, trouxeram-me a história de volta à vida. E ali estava eu, sentada entre estranhos, regressando seis anos atrás no tempo. Ali estava eu trancada na minha concha, isolada no meu mundo, como todos os outros estavam nos seus.
Quem diria que o buraco cavado há seis anos atrás, ainda se encontrava pronto a engolir-me de novo. E, como tal, cumpriu o seu papel melhor do que qualquer outro. Não lhe retiro a reputação, antes a louvo. Não fosse esse o meu refúgio, quando a alma chora o que o corpo não transparece.

Sem comentários: